sexta-feira, 7 de maio de 2010

A Inacreditável Voz

A visão que tive naquele dia não é fácil de se esquecer. E eu nem quero, na verdade.

Os dias estavam calmos demais, na ocasião eu havia saído pra tomar uma Coca-Cola, sozinho, como a muito não fazia. Tomar a Coca, não sair sozinho, isso já estava se tornando corriqueiro o suficiente pra eu me chatear. Sair sozinho, não tomar a Coca-Cola.

O cheiro que vinha com o vento era desses das flores que só desabrocham a noite, perfumando o escuro. Tudo estava calmo demais. Já faziam alguns dias que estavam assim. E foi quando percebi o copo derrubando a Coca, o qual eu sequer havia bebido, que me dei conta do tremor do copo, que era o tremor da mesa, que era o tremor do bar, que era o tremor do chão. O mundo todo a minha volta tremilicava. Eu já tinha visto isso acontecer, e não me surpreendi quando aquela massa escura, disforme e obstinada surgiu em frente aos meus olhos. Ela estava em minha busca e não era a primeira vez.

Fiz o que sempre fiz ao ver essa massa. Fugi. Fugi como se não houvesse amanhã. Porque se ela me alcançasse de facto, poderia até haver, mas não seria como hoje ou ontem. Mas dessa vez a massa parecia mais esperta, após algum tempo correndo, ela me encurralou. Me vi sem saída. Foi quando aconteceu.

O cheiro das flores da noite já tinham desaparecido sob o cheiro de xorume da massa, que nesse momento, foi completamente sobreposto por um odor absolutamente suave e doce. Não sabia identificar muito bem o que estava acontecendo. Isso era novo.

Foi aí que tive a tal visão. Era incrivelmente luminosa, veio voando, de trás duma nuvem, eu acho. Ela olhou pra mim e sorriu. Olhou para a criatura e cantou. Cantou sem palavras, sua voz amansava. A massa aos poucos foi se encolhendo, encolhendo e começou a ganhar cores antes de implodir em milhares de particulas brilhantes que se foram com o vento criado pelo vôo dela, que foi voando, mas que mais parecia estar dançando.

Eu sei que aquela massa pode voltar, mas agora, sempre que olho pras nuvens vejo outras cores no céu, e sei que não preciso mais me preocupar.

8 comentários:

Diego Belini disse...

HA! O amor...

Diego Belini disse...

Belo texto rapaz, o jeito que tu escrevei essa deu pra ver certinho como foi... da pra fazer um quadrinho com isso ai... pense nisso...

Quirino disse...

Dá um quadrinho mesmo!
Gosto do jeito que vc conta!

André Turtelli Poles disse...

Valeu galera! Pensei em linguagem de HQs mesmo na hora que escrevi =)

carlosdias disse...

hehehe
só agora que eu vi
24 temas e 24 postagens do andré
o unico invicto ainda na soubre

e fazendo bons trabalhos, não vou enaltecer o texto (que é dignissimo) mas sim a capacidade de voce tocar o tema "herói" sem ao menos dizer essa palavra no seu texto.

Congratulações.

Liene Saddi disse...

Se trocar a Coca pelo seu copinho querido de isopor de café, e deixar esse mundo cheio de sombras e com o contraste super alto, tens um filme noir legítimo. ;)

Está lindo demais. :))

Clá disse...

Lindo!
cheio de amor, sutilezas, sentimentos e delicadeza.
Parabéns por toda essa sensibilidade que vc tem e que divide com a gente! =)

Rafito! disse...

Oxi, lindão! Antes de ler os comentários também tinha notado a carcterística HQ no texto! =D
O modo como usou a palavras e como foi a descrição de tudo, ficou muito bom!
A ambientalização não deixou NADA a desejar =D
Bom demais, rapaz!