Esfriou de noite. Procurei a coberta e achei. Me cobri e me virei, o pensamento embaralhado de sono e frio. A TV que não estava ligada, ligou. Não entendi bem porque, mas procurei o controle na cama. Pensei que tivesse rolado pra cima dele ou algo do tipo... Senti o tremor e assustei. Havia me esquecido que o chão agora, tremia de vez em quando.
Os dias já não eram mais os mesmos... As noites, muito menos. Foi difícil de compreender, mas logo chegamos a um consenso de que não havia muito mais o que fazer, a não ser se acostumar com isso. E assim o fizemos. É impressionante o grau de assimilação do ser humano, digo, quando a primeira tartaruga se mexeu, parecia que o mundo ia acabar, a gente saia nas ruas e só via os olhos das pessoas abatidos, olhando sem prestar muita atenção. Aquela sensação horrível de não saber o que está pra acontecer e de não poder fazer absolutamente nada pra mudar. Imagino que tenha sido assim que as pessoas do 11 de setembro tenham se sentido ao ver o segundo avião chegando. Mas isso teve uma escala muito maior. E talvez um pavor menos imediato. Quero dizer, quando você vê um avião indo em direção a um prédio, você sabe o que esperar. Mas quando os geólogos descobrem que a série de pequenos tremores que estavam afetando a Europa e a Ásia continental, nada mais era do que os leves movimentos de uma espécie de tartaruga titânica que carrega o continente no seu casco, você não sabe ao certo o que sentir.
Admito que fiquei mais empolgado do que assustado. E que foi difícil esconder o sorriso quando as Américas e a África “acordaram” no intervalo de uma hora de diferença, em pleno primeiro dia do ano. Um ano novo com, definitivamente, vida nova. Estudiosos sugeriram o início de um novo calendário, “Antes do Despertar e Depois do Despertar”. Houve muita discussão, o Vaticano seguiu irredutível. A adoção do sistema novo foi bem dividida pelo mundo. A maioria dos países predominantemente católicos continuou contando da antiga forma. O Brasil seguiu contra a maré e adotou um sistema duplo.
A questão principal é que estamos convivendo bem com isso. Tirando a bola saindo da marca de pênalti de vez em quando, estamos conseguindo lidar muito. A Europa ficou até uns 15 metros mais próximos daqui, não que vá mudar algo no clima ou qualquer coisa, mas enfim... é mais uma pequena mudança trazida pelas tartarugas.
O fato é que eu acordei, e não foi pelo balanço das tartarugas, ao qual já me acostumei.
Apesar da grande maioria das pessoas estarem já habituadas a isso, o que prova a incrível capacidade de adaptação do ser humano, de que, apesar de termos medo do desconhecido, depois que isso passa a conviver conosco, logo nos acostumamos e não vemos mais como algo de outro mundo. Foi assim com a televisão, os telefones celulares, a internet e agora as tartarugas. (Surgiu inclusive uma religião baseada em louvar esses seres titânicos, que, por sua vez, nas crenças pagãs, foram identificadas em antigas escrituras como manifestações de Gaia quando o planeta mais se encontrasse em desequilíbrio).
O ponto principal é que havia um nicho que não se deu por “vencido” (como se estivéssemos perdendo alguma coisa). Que na verdade, eram um 5 ou 6 que não admitiam a existências de seres vivos, quiçá pensantes, mais poderosos e imponentes que eles. E foi esse nicho de 5 ou 6 que decidiu bombardear a Tartaruga Oceania com torpedos de fissão nuclear.
Eu sinceramente acho que nada vai acontecer com ela. E na verdade espero que não. Talvez sirva de lição pra esse nicho que não sabe lidar com tal mudança. Mas admito que se eles conseguirem realmente algum resultado, eu é que não vou saber lidar muito bem com essa.
4 comentários:
hauhahauahuhua muito bom!
eu ainda acredito que a Terra é um ovo e vai nascer um bichão de dentro
Hauehauheuah, puta merda cara, muito bom heim... gostei bastante, bastante mesmo... nível de HQ épica de qualidade, da pra fazer um filme...
"tirando a bola saindo da marca de pênalti de vez em quando..." hahahaha muito legal mesmo, moço!! :)
o texto está ótimo, faz a gente pensar um pouquinho nessa falta de controle que o homem tem sobre o mundo, e que tanto assusta a alguns...
EU TENHO MEDO, EU TENHO MEDO!
Muito bom mesmo! Deu vontade de fazer um desenhi disso aí! Tartaruga nada de costas? :S
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