sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

com mil raios e trovões

 Seis da tarde. O Sol estava dizendo adeus mais uma vez. Por séculos pensaram que ele era muitos e não só um. Acreditavam que ele descia até se apagar no mar, e no dia seguinte um novo Sol nascia para iluminar as terras. Já acreditaram em muita coisa nesse mundo. Afinal de contas, se ninguém acreditasse que o mundo existe, será que ele existiria?
O sujeito de chinelos de palha estava sentado na areia, longe o suficiente pra não se molhar com a água salgada, mas perto o bastante pra sentir a brisa úmida. O céu estava fechando, as nuvens escurecendo, o cinza se misturava com o roxo e rosa do crepúsculo e fazia um espetáculo belíssimo.

- É, parece que vai chover

Disse, com um tom irônico, o homem de terno preto impecável que parou ao lado do sujeito de chinelos. Enquanto ajeitava seus longos cabelos prateados (desses que só a idade atribui), prosseguiu:

- E parece tempestade. Das bravas.

O leve sorriso veio naturalmente e mutuamente. O sujeito de chinelo se levantou, depositou seu chapéu também de palha cuidadosamente na areia fofa e deu um abraço firme no homem de terno.

- Eu nem acredito... Minha nossa, faz... Quanto tempo? Parecem séculos!
- Hehehe... é amigo, acho que talvez até um pouco mais...
- Bom... por favor, sente-se, quer um pouco de chocolate? Não se faz mais como antigamente mas enfim...
- Ai, ai... (sentando no chão), olha acho que vou aceitar um gole, só pra tirar esse amargo de viagem da boca.

O sujeito entrega a caneca de barro com o chocolate fumegante. O homem de terno engole de uma vez, sem sequer assoprar.

-Ah... bem melhor, está bom sim.
- ...
- ...
- Bom..
- Você acha que vem mais alguém?
- ... e já não está vindo?

Ao longe eles enxergam essa mulher com um casaco de camurça ocre, de pelúcia branca e longa em volta do pescoço, seus olhos negros, puxados e enormes ornavam lindamente com seu longo cabelo azul profundo. Ela caminhava com leveza e escondia um sorriso ao reconhecê-los. Os dois já não escondiam mais nada, levantaram logo a espera de cumprimenta-la. O homem de terno é o primeiro a cortejá-la.

- Kadlu. Você veio mesmo. Uma linda surpresa. (e beija sua mão)

Uma risadinha tímida responde a cortesia.

- É bom te ver também...
- ...
- Tlaloc, querido...

E se dirige ao sujeito de chinelos, o qual a recebe igualmente com um beijo na mão.

- Bom revê-la, querida, bom revê-la...

O sorriso se abre e ela se volta ao homem de terno:
- E seu irmão? Não vem?
- Júpiter? Faz anos que não o vejo. A última notícia que eu tive dele é da recaída da depressão. Ele não conseguiu encarar muito bem as coisas.
- Todos nós passamos por isso. (lembrou Tlaloc) Ele realmente não conseguiu lidar muito bem.
- É...
- ...
- ...Bom, nem todos, na verdade.

A voz pesada veio de trás e surpreendeu. O rapaz loiro de rabo de cavalo estende a mão esquerda para cumprimentar o homem de terno.

- Como vai, velho amigo?
- Ora! O velho Thor! Bom poder recebê-lo com um sorriso no rosto, meu amigo. Bom saber que o “estrelismo” não subiu sua cabeça.
- Acredite, não é a mesma coisa... não quero reclamar, é claro que eu gosto. Mas é completamente diferente... Tlaloc, Kudla, como vão vocês?

A conversa foi interrompida por um clarão e um estrondo. Um trovão. Um relâmpago. Eles se entre olharam, estavam acostumados a isso. E se perguntaram o que estava acontecendo, se havia sido algum deles. A reposta veio logo, em meio a areia levantada pelo lampejo, podia se ver uma silhueta.

- (tosse) Cheguei a tempo? (perguntou a figura ainda misteriosa)
- ...Tupã?
- (tosse)(tosse) E quem mais seria?(tosse) Zeus já chegou. Ninguém mais faria uma entrada extravagante dessas. (tosse)

E estavam lá reunidos, enfim, os Deuses do Trovão, ao menos alguns deles. Olhando de longe pareciam seres humanos normais. Mas se ficasse mais de perto dava pra sentir a estática estalando no ar, parecia que a cada palavra que saia da boca de qualquer um deles o vento se mexia de um jeito único. As nuvens pareciam escurecer e clarear a cada pequena risada gargalhada pelo grupo.

- Bom, muito bem Tlaloc (disse Zeus), o que faremos aqui, eu adoraria pod...
- Um segundo Zeus, querido! O que seria aquilo ali?

Kadlu se referia as incontáveis esferas gigantescas que estavam sendo puxadas com a maré, dum tom alaranjado escuro, boiando em direção a areia.

- É por isso que estamos aqui, Kadlu.
- ...
- Há muito tempo atrás, os meus povos acreditavam que o Sol se punha e se apagava no mar. Acreditavam também que, se no dia que os Sóis postos voltassem com a maré, esse era o dia em que o mundo teria seu fim.
- Isso quer dizer que a Ragnarok... Não é possível, poi...
- É isso que viemos fazer Thor.
Tupã riu e um relâmpago estourou a primeira esfera.
- Acho que entendi, Tlaloc...
- Não é a primeira vez que isso acontece, mas eu sempre dei conta disso. Os sóis não devem chegar aqui. Não foi coincidência marcarmos essa reunião nesse dia. Gostaria que me ajudassem dessa vez.
- Mas Tlaloc, somos os deuses do Trovão, não já muita adrenalina em estourar pedras...
- Você precisa sempre fazer uma tempestade, Thor? Esses gibis te mudaram um bocado... Sempre há tempo de apreciar uma suave brisa.

E os deuses desfizeram os sóis. O que os outros não sabiam, é que de cada fragmento ali separado era feito uma dessas que chamamos de estrela do mar.

- Crenças nunca morrem, amigos. Vocês já deviam saber disso. Se um dia acreditaram que as estrelas repousavam no mar. Eles hão de estar certos.

E o dia amanheceu numa fina garoa de inverno.

5 comentários:

carlosdias disse...

Andre e seus poderes mitológicos de arrancar sorrisos da gente =)

André Turtelli Poles disse...

Valeu!! =D

Diego Belini disse...

CARA outra historia que podia virar um curta sensacional, que clima gostoso, que narrativa gostosa...

Só senti falta da descrição dos outros Deuses, estava curtindo montar a cena a imaginação...

=D

Quirino disse...

Eu tenho medo de fim do mundo! Pare de escrever sobre essas coisas!

Tirando o tema, tá mto legal! hehehehe zuera, ta tudo ótimo! Sempre bem descritivo!

Liene Saddi disse...

Estou esperando agora a continuação da série... cada personagem desses merece uma história à parte!! =DD

Está demais, moço, descrições super envolventes, como sempre! =)))